CLIPPING


A que ponto chegamos

Fernando Henrique Cardoso

Nenhum governo pode funcionar na normalidade quando atado a um sistema político que permitiu a criação de mais de 30 partidos

Eu, como boa parte dos leitores de jornal, nem aguento mais ler as notícias que entremeiam política com corrupção. É um sem-fim de escândalos. Algumas vezes, mesmo sem que haja indícios firmes, os nomes dos políticos aparecem enlameados. Pior, de tantos casos com provas veementes de envolvimento em “malfeitos”, basta citar alguém para que o leitor se convença de imediato de sua culpabilidade. A sociedade já não tem mais dúvidas: se há fumaça, há fogo.

Não escrevo isso para negar responsabilidade de alguém especificamente, nem muito menos para amenizar eventuais culpas dos que se envolveram em escândalos, nem tampouco para desacreditar de antemão as denúncias.

Os escândalos jorram em abundância, não dá para tapar o sol com a peneira. O da Petrobras é o mais simbólico, dado o apreço que todos temos pelo que a companhia fez para o Brasil. Escrevo porque os escândalos que vêm aparecendo numa onda crescente são sintomas de algo mais grave: é o próprio sistema político atual que está em causa, notadamente suas práticas eleitorais e partidárias.

Nenhum governo pode funcionar na normalidade quando atado a um sistema político que permitiu a criação de mais de 30 partidos, dos quais 20 e poucos com assento no Congresso.

A criação, pelo governo atual, de 39 ministérios para atender as demandas dos partidos é prova disso e, ao mesmo tempo, é garantia de insucesso administrativo e da conivência com práticas de corrupção, apesar da resistência a essas práticas por alguns membros do governo.

Não quero atirar a primeira pedra, mesmo porque muitas já foram lançadas. Não é de hoje que as coisas funcionam dessa maneira. Mas a contaminação da vida político-administrativa foi se agravando até chegarmos ao ponto a que chegamos.

Se, no passado, nosso sistema de governo foi chamado de “presidencialismo de coalizão”, agora ele é apenas um “presidencialismo de cooptação”. Eu nunca entendi a razão pela qual o governo Lula fez questão de formar uma maioria tão grande e pagou o preço do mensalão. Ou melhor, posso entendê-la: é porque o PT tem vocação de hegemonia. Não vê a política como um jogo de diversidade no qual as maiorias se compõem para fins específicos, mas sem a pretensão de absorver a vida política nacional sob um comando centralizado.

Meu próprio governo precisou formar maiorias. Mas havia um objetivo político claro: precisávamos de três quintos da Câmara e do Senado para aprovar reformas constitucionais necessárias à modernização do país.

Ora, os governos que me sucederam não reformaram nada nem precisaram de tal maioria para aprovar emendas constitucionais. Deixaram-se levar pela dinâmica dos interesses partidários. Não só do partido hegemônico no governo, o PT, nem dos maiores, como o PMDB, mas de qualquer agregação de 20, 30 ou 40 parlamentares, às vezes menos, que, para participar da “base de apoio”, organizam-se numa sigla e pleiteiam participação no governo: um ministério, se possível; se não, uma diretoria de empresa estatal ou uma repartição pública importante. Daí serem precisos 39 ministérios para dar cabida a tantos aderentes. No México do PRI, dizia-se que fora do orçamento não havia salvação...

A raiz desse sistema se encontra nas regras eleitorais que levam os partidos a apresentarem uma lista enorme de candidatos em cada estado, para, nelas, o eleitor escolher seu preferido, sem saber bem quem são ou que significado político-partidário têm. Logo depois, nem se lembra em quem votou. A isso se acrescenta a liberalidade de nossa Constituição, que assegura ampla liberdade para a formação de partidos.

Por isso, não se podem obter melhorias nessas regras por intermédio da legislação ordinária. Algumas dessas melhorias foram aprovadas pelos parlamentares. Por exemplo, a exigência de uma proporção mínima de votos em certo número de estados para a autorização do funcionamento dos partidos no Congresso.

Ou a proibição de coligações nas eleições proporcionais, por meio das quais se elegem deputados de um partido coligado aproveitando a sobra de votos de outro partido. Ambas foram recusadas, por inconstitucionais, pelo Supremo Tribunal Federal.

Com o número absurdo de partidos (a maior parte deles meras siglas sem programa, organização ou militância), forma-se, a cada eleição, uma colcha de retalhos no Congresso, em que mesmo os maiores partidos não têm mais do que um pedaço pequeno da representação total.

Até a segunda eleição de Lula, os presidentes se elegiam apoiados em uma coalizão de partidos e logo tinham de ampliá-la para ter a maioria no Congresso.

De lá para cá, a coalizão eleitoral passou a assegurar maioria parlamentar. Mas, por vocação do PT à hegemonia, o sistema degenerou no que chamo de “presidencialismo de cooptação”. E deu no que deu: um festival de incoerências políticas e portas abertas à cumplicidade diante da corrupção.

Mudar o sistema atual é uma responsabilidade coletiva. Repito o que disse, em outra oportunidade, a todos os que exerceram ou exercem a Presidência: por que não assumimos nossas responsabilidades, por mais diversa que tenha sido nossa parcela individual no processo que nos levou a tal situação, e nos propomos a fazer conjuntamente o que nossos partidos, por suas impossibilidades e por seus interesses, não querem fazer: mudar o sistema? Sei que se trata de um grito um tanto ingênuo, pedir grandeza. A visão de curto prazo encolhe o horizonte para o hoje e deixa o amanhã distante. Ainda assim, sem um pouco de quixotismo, nada muda.


Se, de fato, queremos sair do lodaçal que afoga a política e conservar a democracia que tanto custou ao povo conquistar, vamos esperar que uma crise maior destrua a crença em tudo e a mudança seja feita não pelo consenso democrático, mas pela vontade férrea de algum salvador da pátria?

Ler resposta ao Sr. Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso

A gaveta dos registros de partidos políticos



Direitos e deveres

Merval Pereira,
O Globo
16/6/2013

O país vive nos últimos dias situações de tensão de diversas origens que, misturadas à percepção crescente de pessimismo em relação ao futuro captada por pesquisas de opinião, podem levar a uma crise institucional de grave repercussão.

Não há ainda uma ligação direta entre os problemas econômicos que se avolumam e as manifestações nas ruas das principais cidades do país, como apressadamente alguns analistas estrangeiros registram.

Mas a insatisfação difusa que se revela pelas redes sociais e desemboca nas manifestações a pretexto de protestar contra o aumento das tarifas de ônibus, sem dúvida, serve à manipulação de atividades políticas de grupos radicais e anárquicos que não se sentem representados pelos partidos políticos do mainstream.

Existem diversos grupos de ativistas em ação pelas ruas, alguns ligados a partidos políticos, que escolhem temas variados para protestar “contra tudo isso que está aí”. Engana-se o governo Dilma se acha que pode tirar proveito político de um eventual desgaste do governador tucano de São Paulo Geraldo Alckmin na repressão aos manifestantes.

O teor de cartazes afirmando que “Nenhum partido nos representa” mostra que a intenção dos grupos mais organizados é minar a representatividade política tradicional, inclusive a do PT que, agora no governo, prova do veneno que utilizava contra seus adversários.

Se a polícia paulista certamente se excedeu nos confrontos de quinta-feira, como diversas imagens registraram, há também imagens suficientes para mostrar que entre os manifestantes havia os que foram às ruas para provocar o confronto.

Independentemente dos objetivos ainda não totalmente revelados dessas manifestações, uma coisa é certa: nos últimos dias o país está vivendo situações que mostram que é preciso definir os limites da atuação de cada um para que a balança dos direitos fique mais equilibrada com a dos deveres.

Afinal, que país queremos ser? A censura do politicamente correto, utilizada como instrumento de constrangimento político, acabou criando uma situação em que qualquer atitude de repressão oficial se transforma em autoritarismo.

Essa leniência com as ações marginais se reflete na violência urbana e transborda para os conflitos rurais em que fazendas são invadidas a pretexto da defesa de pretensos direitos indígenas ou em ações do MST, que não têm a rejeição de quem é pago para garantir a prevalência da lei. Pois não se soube recentemente de um comentário da presidente censurando o cumprimento de ordem judicial de reintegração de posse, em episódio que resultou na morte de um índio?

A presidente pelo menos desmentiu que houvesse feito tal comentário, indevidamente revelado por um assessor seu, mas não é de hoje que governadores e prefeitos recusam-se a cumprir mandatos judiciais mesmo diante de flagrantes ilegalidades cometidas. A destruição das plantações da Cutrale ainda está para ser punida, e já foi repetida pelo MST. E já houve tentativa do PT de aprovar legislação que previa uma negociação com o invasor para que o proprietário pudesse entrar na Justiça para reaver o que era seu.

No Brasil, os menores com 16 anos podem votar para escolher seus representantes, mas não podem ser condenados mesmo quando praticam crimes hediondos. E, previsivelmente, tornam-se "laranjas" de criminosos até a véspera de completar 18 anos para a execução de atos que ficarão impunes.Os indígenas são inimputáveis, e por isso podem invadir o plenário do Congresso ou caçar carpas nos lagos de Brasília com arco e flecha, mas também quer em todos os direitos do “homem branco”. E os protestos contra o aumento de 20 centavos na passagem dos ônibus são feitos com a incoerência dos anarquistas, a depredação de pontos de ônibus e queima de veículos que em teoria eles defendem.


O direito de cada um termina quando começa o do outro, a frase simplificadora das relações humanas define que as individualidades devem se submeter à coletividade. Precisamos no país, acima das divergências políticas e ideológicas, impor limites à ação de cada um para que a sociedade não fique com a sensação de insegurança que hoje já predomina.





Cérebro e computador
Autor(es): Arnaldo Niskier
O Globo - 04/06/2013


O cérebro normal de uma criança cresce até os cinco anos de idade e alcança um total de cerca de 90 bilhões de neurônios. Essa verdade não nasceu hoje, quando há um extraordinário avanço em tudo o que se refere à neurociência.

Mas é possível encontrar os prolegômenos da ideia em trabalhos como os do cientista e professor Josué de Castro, autor do célebre "Geografia da fome".

A desnutrição nos primeiros anos de vida provoca sequelas quase sempre irreversíveis, no crescimento do cérebro. Aí pode estar também a raiz das nossas clássicas dificuldades de alfabetização (hoje, ainda temos cerca de 14 milhões de adultos analfabetos).

Crianças nutridas adequadamente e recebendo educação de alto nível poderão se transformar nos cientistas de que carecemos, como reconheceu a própria presidente Dilma Rousseff. O seu programa Ciência sem Fronteiras busca exatamente a correção desse problema crônico, na educação brasileira.

Entendemos que não basta enviar nossos jovens para os grandes centros mundiais de pesquisa. Eles voltam (quando voltam) e não encontram ambientes propícios ao desenvolvimento das suas habilidades. É mais um tempo desperdiçado e recursos jogados fora.

Com a interface cérebro-máquina agora existente temos possibilidades incríveis de expansão do conhecimento, mas isso não começa nas universidades e sim nos primeiros anos de escolaridade. Inovação é um conceito muito amplo, que não pode ser introjetado na cabeça dos estudantes de repente, numa determinada série. Isso vem desde cedo, com professores bem preparados e estimulados a valorizar as conquistas científicas e tecnológicas.

É claro que todos sabemos o vulto do desafio. Às vezes nos espantamos com certas decisões aparentemente incompreensíveis, como a importação de médicos cubanos, "para trabalhar no interior do país".

Quem garante a competência deles para enfrentar os desafios da medicina tropical? Nem a desculpa de que se trata de uma solução de emergência tem cabimento, até porque isso se vai perigosamente ampliando. Começou na engenharia e agora chega à medicina.

Temos é que formar de modo competente os nossos jovens, com uma educação de primeira classe. Imaginar que a importação de cérebros estranhos à nossa realidade seja uma boa solução é tentar resolver o problema pelo facilitário.

Devemos acelerar a formação de cientistas em nosso país (existe um pequeno aumento nesse número), para aproveitar de modo inteligente a extraordinária reserva da biodiversidade brasileira.

Educando os jovens, certamente, eles irão influenciar os pais e assim se forma a equação do nosso progresso. Cérebro e computador não podem caminhar dissociados.




Cientistas exigem ética em pesquisas com vírus


Um grupo de cientistas pediu aos assesores do presidente dos EUA, Barack Obama,  a abertura de uma investigação de questões éticas levantadas pela criação de linhagens altamente contagiosa da gripe aviária que podem ser facilmente transmitidas entre seres humanos. Os cientistas, que incluem um ex-chefe da área de ciência do governo do Reino Unido e um vencedor do Nobel, afirmam ser "moral e eticamente errado" criar em laboratório novos tipos de virus que são mais letais e contagiosos do que os atualmente presentes na natureza.

Em 2011, duas equipes de cientistas - lideradas por Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus em Roterdã, Holanda, e Yoshikiro Kawaoka, da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA - anunciaram terem provocadoo uma mutação do vírus da gripe aviária o H5N1, para que ele possa ser transmitido entre pessoas pelo ar. As equipes interromperam as pesquisas no ano passado como parte de uma moratória voluntária após fore reação da opinião pública, mas no início deste ano anunciaram a retomada das atividades, incluindo uma expansão para novas áreas envolvendo outros vírus e doenças.


RISCO DE PANDEMIA DEVASTADORA

Em uma dura carta enviada à Comissão Presidencial para o Estudo de Questões Bioéticas, os opositores das pesquisas alertaram que não houve discussão suficente sobre os riscos do fim da moratória nos estudos para aumentar a transmissibilidade de vírus letais como o da gripe aviária. Segundo eles, a taxa de mortalidade de 60% do H5N1 - nos casos raros em que ele infectou humanos  - coloca-o em uma "classe própria" e que as tentativas de torná-lo mais contagioso em experimentos eleva o perigo de uma pandemia devastadora.

"A liberação acidental de um vírus H5N1 artificial, gerado em laboratório e transmissível entre humanos numa comunidade tem o potencial de causar uma pandemia global de proporções épicas que superaria a pandemia da gripe espanhola de 1918 que matou mais de 50 milhões de pessoas", escreveram. "A maioria dos cientistas consideram a criação em laboratório de uma  patógeno mais letal que os existentes na natureza é mortal e eticamente errada. De fato, a maioria tem a opinião de que não há uma justificativa científica que supere os probelmas morais e éticos( destas pesquisas)".

A carta, enviada no fim da semana passada, foi organizada pela Fundação para a Pesquisa de Vacinas, uma instituição privada baseada em Washington que advoga o desenvolvimento de melhores vacinas. Ela foi enviada diretamente à Comissão Presidencial para evitar a intervenção do poderoso Instituto Nacional de Saúde dos UEA, que financiou ambos os projetos de pesquisa da transmissibilidade da H5N1. Entre os 17 signatários estão lord May, ex-cientista-chefe do primeiro-ministro do Reino Unido e especialista em infectologia, o professor Marc Lipstich, especialista em doenças comunicáveis da Universidade de Harvard, e Sir Richard Roberts, que recebeu o Prêmio Novel de Fisiologia e Medicina de 1993 por seu trabalho pioneiro no campo da genética. A lista incllui ainda o professor Robin Weiss, conhecido virologista britânico qe trabalho com o HIV, o professor Michael Lederman, da Universidade Case Western Reserv em Cleveland, Ohaio, e Joshua Plotkin, da Universidade da Pensilvância.
Estes cientistas estão proeocupados que as tentativas de criar mormas mais mortais do H5N1 para avaliar a ameaça que o vírus representa para os seres humanos seja o nício de um trabalho amplo com outros víruos potencialmente letais.

Steve Connor
Independent


Parados diante da Catedral


Ligação clandestina
Rogério L. Furquim Werneck
Jornal O Globo | 18/02/2010 


Abaixo, nosso comentário


O anúncio de corte de gastos feito na semana passada não teve a repercussão que o governo esperava. Por duas razões básicas. O corte parece menor do que o necessário e, ao mesmo tempo, maior do que o ajuste que o governo, de fato, se mostra disposto a fazer. Mas há uma terceira razão para se duvidar do real compromisso do governo com a mudança da política fiscal. Boa parte da expansão fiscal dos últimos anos tem-se dado por fora do Orçamento, com base num artifício contábil que tem permitido ao Tesouro transferir centenas de bilhões de reais ao BNDES, sem o devido registro nas contas de resultado primário e dívida líquida do governo. E, agora, em meio à discussão sobre um suposto corte de gastos de R$50 bilhões, noticia-se que o governo já contempla novo aporte do Tesouro ao BNDES, de R$55 bilhões. Já é tempo de se tratar essa questão com a seriedade que merece.


A história é bem conhecida. Em 2008, preocupado com os efeitos da crise mundial sobre a economia brasileira, o governo decidiu capitalizar o BNDES para que pudesse expandir seus empréstimos a empresas estatais e privadas. Mas uma capitalização nos moldes tradicionais, que aumentasse o capital próprio do banco, reduziria o resultado primário e aumentaria a dívida líquida do governo. Para dissimular o impacto sobre as contas públicas, o governo decidiu partir para o subterfúgio da capitalização velada. O BNDES foi agraciado pelo Tesouro com empréstimos de 30 anos e juros pesadamente subsidiados. Para bancar tais empréstimos, o Tesouro teve de emitir dívida. E isso inflou a dívida bruta, mas não a dívida líquida, porque, ao calculá-la, o Tesouro se permitiu abater da dívida bruta, como ativos, os créditos de 30 anos que havia constituído junto ao BNDES.

O governo vem recorrendo a esse subterfúgio, ano após ano, desde 2008. As estatísticas de dívida bruta do Governo federal, em dezembro de 2010, mostram que os créditos do Tesouro junto ao BNDES já ultrapassam R$230 bilhões. Pode-se verificar que R$28,8 bilhões foram acumulados ao longo de 2008, R$93,8 bilhões em 2009 e R$107,5 bilhões em 2010. Em percentagem do PIB, tais valores correspondem a 0,9%, 2,9% e, novamente, 2,9%.

O governo tem ressaltado a importância fundamental que tiveram os empréstimos do Tesouro ao BNDES na contenção da crise, em 2008 e 2009, por terem propiciado a injeção de forte estímulo à demanda agregada. E, de fato, um impulso fiscal de 0,9% do PIB em 2008, seguido de novo impulso de nada menos que 2,9% do PIB em 2009, configura um estímulo extraordinário. O problema é que, apesar de todos os sinais de vigorosa recuperação em 2010, o governo entendeu que deveria continuar a estimular a economia com novas transferências do Tesouro ao BNDES da ordem de 2,9% do PIB no ano passado.

Esse impulso fiscal foi muito maior do que o que adveio da deterioração da conta oficial de resultado primário em 2010 (que deixa de fora a capitalização do BNDES), mesmo quando as cifras são recalculadas sem apelo à notória alquimia contábil a que tem recorrido o governo. Não faz sentido, portanto, discutir como a política fiscal deve ser corrigida, em face do sobreaquecimento da economia, sem levar em conta os impulsos fiscais que têm sido gerados pelas gigantescas transferências do Tesouro ao BNDES. É indefensável que, a essa altura dos acontecimentos, a economia volte a ser estimulada com um impulso fiscal de mais de 1,3% do PIB, que é o que adviria de um novo aporte de R$55 bilhões do Tesouro ao BNDES.

Chegou a hora de fechar o orçamento fiscal paralelo que o governo tem mantido no BNDES, por meio de operações dissimuladas de capitalização da instituição pelo Tesouro. A dissimulação tem trazido descrédito às contas públicas e à política fiscal. E já não ilude ninguém. O próprio FMI tem assinalado em suas publicações que as estatísticas de resultado fiscal do Brasil omitem transferências do Tesouro ao BNDES da ordem de 3% do PIB, tanto em 2009 como em 2010. Até quando o governo vai insistir nesse papelão?


 
└═─Comentário do DominioFeminino─═┘
 
Nós mulheres nos assustamos com este tipo de leitura sobre Economia e outros assuntos que nos parecem tão áridos. Não são assuntos palatáveis para os que não têm conhecimento e para fazer companhia a você, diremos que pouco, ou nada, entendemos do riscado. Porém, isto não nos faz temer a leitura nem o esforço para compreender. Quando as dificuldades de compreensão - por falta de conhecimento técnico - tocam terror, rapidamente buscamos socorro nos maridos. Temos sorte de termos maridos que entendem de finanças e economia, matemática financeira, etc etc
 
Porém, grosso modo, o artigo acima é bem ditático e de onde pode-se apreender o essencial e este essencial já é assustador. Usualmente deixa-se fora das leituras de jornais estes "assuntos áridos". Grande erro, porque de tanto ler acaba-se comprendendo um pouco mais daquilo que é vital para o funcionamento ou desfunção das contas públicas que recaem sobre nós e nem nos damos conta. 
 
Nas buriladas de engôdo que o Governo emprega está a propalada Transparência. Transparência dos Govenos petistas é isto: jogar sujo às escondidas, mascarados em maquilagens fiscais.
 
Mas, não nos apraz apenas ler, pensar e reclamar. Nos aflige saber como poderíamos apresentar solução. Como agiríamos para ir adiante em protesto corretivo. Não basta reclamar em protesto inócuo. O certo seria dizer aqui o quê, onde e como fazermos para pressionar para práticas diferentes; não sabemos, mas vamos ouvir quem nos poderá oferecer alguma iluminação.
 
 




Organizar a ajuda
Merval Pereira
O Globo/Sábado, 22 de Janeiro


A experiência desses dias de tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro está servindo também para que os envolvidos nos trabalhos voluntários de socorro se defrontem com suas próprias fragilidades. Do relato de dificuldades e desencontros entre os voluntários e os serviços do Estado, e entre os próprios voluntários entre si, fica uma certeza: assim como as ações governamentais, também o voluntariado precisa ser aprofundado, organizado e centralizado.

Há o exemplo da dificuldade que a ONG Viva Rio teve em Teresópolis para trabalhar na vacinação da população, quando tinha especialistas que já haviam atuado no Haiti, prontos para entrarem em ação, e a burocracia da prefeitura atrasou a ajuda.
Há o exemplo de Areal, em que a mobilização pessoal do prefeito, com um tosco carro de som, ajudou a população a minimizar as consequências da tragédia, inclusive poupando vidas humanas.

E há o caso da Cruz Vermelha, que pediu ao BNDES para não mandar as doações recolhidas no banco sem já estarem separadas, mas não explicou como separar, e mesmo assim, só o fazer daqui a algumas semanas, pois já receberam muitas doações que ainda precisam ser despachadas.

Há uma sensação de que todo o chamado terceiro setor (das ONGs até as igrejas, passando pela Cruz Vermelha) precisaria montar uma só rede de socorro humanitário, ou no máximo duas ou três.

Não podem continuar a atuar isoladamente como hoje, e muito menos alimentar uma fogueira de vaidades, com todos querendo aparecer, embora se digam avessos à politicagem.

Ou seja, acontece uma tragédia como essa, precisam trabalhar em rede.

Antes da tragédia, precisariam fazer um planejamento estratégico e montar um modo comum de atuação: estudar e definir o papel de cada um tão logo toque a sirene de alerta em algum lugar do país.

Não pode acontecer, como agora, todos acorrerem para o lugar da tragédia sem saber o que está sendo necessário, provocando situações em que muita doação chega em excesso, enquanto faltam produtos de primeira necessidade para uma situação específica.

Alimentos perecíveis, por exemplo, são difíceis de armazenar; se não forem distribuídos na hora, são perdidos.

Há necessidades que são óbvias, mas não percebidas no primeiro momento. Botas de borracha para enfrentar a lama, por exemplo, eram um produto de primeira necessidade escasso. Assim como luvas.

Houve casos nas regiões das enchentes em que o que era preciso eram roupas de baixo para homens e mulheres, e não colchonetes, por exemplo.

Falta desde uma linha de montagem para receber e processar doações, até logística para transportar e distribuir.

O ideal seria ter uma rede social na qual cada ONG tivesse responsabilidade, previamente definida e posteriormente avaliada e cobrada, em relação a uma etapa dessa cadeia de assistência humanitária, que fosse desde a coleta da doação (em espécie ou em dinheiro) até a entrega ao desalojado ou desabrigado.

Em suma, o terceiro setor deveria atuar como uma empresa.

Hoje, atua exatamente como o governo, mas se julga mais honesto e eficaz do que ele, porém, mesmo sem querer, acaba repetindo os mesmos vícios: desorganizados; descoordenados; ineficientes e ineficazes.

Na raiz, as vaidades pessoais ou institucionais, uma ONG querendo ser melhor do que a outra. O ideal seria ter uma rede nacional, com marca genérica, sem grife individual.

É um sonho impossível?

Ora, as ONGs não montam associações para ir a Brasília pedir verbas para o setor?

Anos atrás, quando se criou uma CPI das ONGs, o chamado terceiro setor se uniu de forma impressionante. Raramente se viu uma força pressionar tanto, do governo ao Congresso, de forma tão unida, coordenada, discretíssima e, o principal, eficiente - aliás, o resultado é simples: algo mudou por causa dessa CPI?

Por que não poderiam fazer o mesmo esforço de articulação e coordenação para prestação de ajuda humanitária?

Uma coisa é certa, como alertam todos os especialistas: essa tragédia da serra fluminense se repetirá em outras localidades do Brasil, esperamos que com menos vítimas, mas não há por que se repetirem os mesmos erros - os próprios socorristas (governamentais e não governamentais) precisam de socorro.


DominioFeminino pede a atenção dos leitores, para o que segue:

O leitor Valmi Pessanha Pacheco, lendo na coluna a referência a supostos "níveis de governo", lembra que não existe hierarquia ou mesmo subordinação entre eles.

Alguns outros autores, inclusive até membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, também expressam supostas "instâncias de governo", diz ele.

Talvez fosse mais adequado denominar "esferas de governo", sugere, já que o artigo 18 da Constituição Federal de 1988 determina que "A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

Outra curiosidade brasileira destacada por ele na Constituição: dos 250 artigos do seu corpo principal, dos 95 artigos dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, alguns deles introduzidos pelas 56 Emendas Constitucionais (até 2007) e das 6 Revisões Constitucionais (todas de 1994), os verbetes "direito/direitos" estão inseridos 105 vezes, enquanto os verbetes "dever/deveres/obrigação/obrigações", apenas 25 vezes.